Mensagens e planilhas revelam que o ex-ministro desviava dinheiro de contratos da pasta que comandava – e a senadora usava o dinheiro para bancar campanhas
Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann são casados há duas
décadas. Ela, senadora da República, foi ministra-chefe da Casa Civil
de Dilma Rousseff. Ele foi ministro do Planejamento no governo Lula e
ministro das Comunicações no governo Dilma. Ambos são petistas. Ambos
integram a seleta lista de companheiros da estrita confiança do ex e da
ex-presidente. Ambos são investigados pela Operação Lava-Jato. Paulo
Bernardo chegou a ser preso pela Polícia Federal há três meses. Gleisi é
alvo de inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal que a colocam
como beneficiária de dinheiro do petrolão. Embora os dois sejam
investigados em frentes diferentes, as suspeitas que recaem sobre eles
se entrelaçam. E, nestes tempos em que os políticos se esforçam para
tentar restringir os flagrantes de roubalheira a inocentes deslizes
destinados a financiar campanhas eleitorais, o casal petista é a mais
perfeita prova de que caixa dois e corrupção são, quase sempre,
inseparáveis — um casamento, digamos assim, sólido.
Paulo Bernardo é acusado de ter orquestrado um esquema milionário de
desvio de dinheiro no Ministério do Planejamento quando ocupava a pasta.
A Consist, uma empresa de São Paulo, foi escolhida para administrar a
lista de funcionários públicos, pensionistas e aposentados endividados
que recorriam aos empréstimos consignados, cujas parcelas vêm
descontadas automaticamente na folha de pagamento. Quem recorria aos
créditos pagava uma taxa de administração — o lucro da empresa. A taxa
cobrada dos funcionários e aposentados, claro, era superfaturada. O
excedente era dividido, e o PT ficava com 70% de tudo. De acordo com a
Polícia Federal, o partido arrecadou mais de 100 milhões de reais em
cinco anos com base nesse método.
O ex-ministro sempre foi considerado um homem de partido, um soldado,
como os petistas gostam de dizer. Um quadro técnico, competente e
pragmático. A Operação Lava-Jato desmontou uma parte dessa biografia. A
competência e o pragmatismo eram de fato reais, mas serviam a propósitos
nada nobres. O dinheiro arrecadado por Paulo Bernardo e seu bando foi
usado para garantir a aposentadoria e a tranquilidade de alguns
companheiros dele do PT, financiou apartamentos de luxo em Miami para
outros amigos meliantes, além de ajudar a eleger Gleisi Hoffmann, a
senadora mais votada do Paraná, depois de uma campanha suntuosa. A cota
do ex-ministro era transferida diretamente pela Consist para um
escritório de advocacia de Curitiba, que providenciava a redistribuição
da propina. A ideia era não deixar rastro. Mas não funcionou…
A senadora Gleisi Hoffmann foi fisgada pela Lava-Jato logo nos
primeiros meses da investigação. Os policiais descobriram que ela
recebera 1 milhão de reais em propinas desviadas da Petrobras. Dinheiro
repassado por doleiros. Era o fio da meada de um escândalo muito maior
para o casal mais poderoso da Esplanada. O escritório de advocacia de
Curitiba para o qual o dinheiro era desviado gozava da confiança
absoluta de Paulo Bernardo e Gleisi — um de seus sócios, Guilherme
Gonçalves, era encarregado de defender a senadora em processos na
Justiça. Era o álibi perfeito. A Consist fazia de conta que pagava pelos
serviços de advocacia e os advogados pagavam as despesas do casal sem
deixar rastros. Descobertos, todos entoaram o mesmo mantra. Paulo
Bernardo não sabia de nada. Gleisi não sabia de nada. O advogado
Guilherme Gonçalves, que também defendeu a ex-presidente Dilma em
processos no Tribunal Superior Eleitoral, não sabia de nada.
Mas havia gente que não sabia e tentou descobrir. Acusado de
envolvimento no escândalo, um dos sócios da banca, o advogado Sacha
Reck, resolveu agir. Pediu a uma empresa independente que fizesse uma
auditoria nas contas e nos arquivos do escritório. O resultado
surpreendeu. Foi então que ele descobriu aquilo que a Polícia Federal
não demoraria a desbaratar: o contrato de serviços jurídicos com a
Consist não passava de fachada. Mensagens e planilhas guardadas em
pastas secretas registravam o destino final do dinheiro: “Eleitoral —
Gleisi”.
VEJA teve acesso aos documentos da auditoria entregues às
autoridades. Ao todo, o escritório recebeu 7,2 milhões de reais da
Consist. Não se sabe ainda, com precisão, quanto desse valor foi parar
no caixa dois eleitoral de Gleisi, mas há fartos indícios de que não foi
pouco. De acordo com os investigadores, a propina teria sido usada para
pagar de tudo: ônibus para transporte de cabos eleitorais, jantares
para prefeitos, motorista particular da senadora, aluguel de um flat
usado como escritório informal da campanha. Um estagiário do escritório
fazia o papel de entregador de dinheiro vivo, sempre que necessário. Em
depoimento, ele disse ter ouvido do antigo chefe uma frase que resume
bem o esquema: “O dinheiro pertencia a Paulo Bernardo, que intentava
bancar a campanha de Gleisi Hoffmann para os cargos que disputasse”. Na
próxima terça-feira, o STF decide se aceita ou não a acusação de
corrupção contra a senadora no caso do petrolão. O casamento entre
corrupção e caixa dois, ao contrário do que dizem os que desejam uma
anistia generalizada, nunca foi tão perfeito.
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