A exemplo do que fez nesta
segunda-feira com jornalistas brasileiros, a presidente Dilma Rousseff
recebeu correspondentes internacionais no Palácio do Planalto nesta
terça-feira e voltou a usar os microfones para criticar, ainda que
indiretamente , o vice Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, por manobras 'golpistas'. Dilma atacou a movimentação do PMDB e
de outros partidos de oposição por sondagens de nomes para um futuro
ministério sob o governo Temer.
- Estão vendendo terreno na Lua - disse antes de voltar a citar conspiração contra seu mandato.
-
A conspiração se dá pelo fato que a única forma de chegar ao poder no
Brasil é utilizando de métodos, transformando e ocultando o fato que
esse processo de impeachment é uma tentativa de eleição indireta, de um
grupo que de outra forma não teria acesso pelo único meio justificável,
que é o voto direto - concluiu.
Na
coletiva de mais de uma hora, a presidente afirmou ainda que o Brasil
tem um "veio golpista" e que o processo de impeachment no Congresso
Nacional após a redemocratização do país é uma possibilidade "nunca
afastada". Foram concedidas seis perguntas aos repórteres, mas nesta
terça-feira a presidente falou mais que o dobro do tempo antes de
iniciar a entrevista. Dilma dispensou uma longa parte de sua fala
detalhando e defendendo por que é inocente.
- O Brasil tem um veio
que é adormecido. Um veio golpista adormecido. Se acompanharmos a
trajetória dos presidentes no meu país, no regime presidencialista, a
partir de Getúlio Vargas, vamos ver que o impeachment, sistematicamente,
se tornou um instrumento contra os presidentes eleitos. Eu tenho
certeza de que não houve um único presidente depois da redemocratização
do país que não tenha tido processos de impedimento no Congresso
Nacional. Todos tiveram. Todos - enfatizou, ao citar indiretamente os
processos movidos contra os ex-presidentes Fernando Collor e Fernando
Henrique Cardoso, ambos liderados pelo seu partido, o PT.
E acrescentou:
- O que eu chamo de veio? É essa possibilidade nunca afastada.
A
petista, no entanto, não fez menção a pedidos de impeachment que o PT
fez quando outros presidentes comandavam o país. Contra Fernando
Henrique Cardoso, por exemplo, foram apresentados 14 pedidos de
impeachment, 13 dos quais no seu segundo mandato. Dos 13, 10 foram
assinados por deputados federais - um deles, José Genoino, então líder
do PT, julgado e condenado como mensaleiro.
Contra Lula foram
apresentados 34 pedidos, 33 assinados por cidadãos comuns, e um pelo
deputado Alberto Goldman (PSDB-SP). No primeiro mandato de Dilma, 10
pedidos foram protocolados na Câmara dos Deputados, nove assinados por
cidadãos comuns, um pelo senador Mário Couto (PSDB-PA). Todos esses
pedidos, no total 58, foram arquivados.
Dilma voltou a falar em
"engavetador-geral da República" ao se referir à procuradoria-geral no
governo Fernando Henrique Cardoso, na qual esteve à frente Geraldo
Brindeiro.
'AINDA TEM MUITA COISA QUE NÃO SE SABE'
Ao
ser perguntada se ela não sabia da corrupção em seu partido e na
Petrobras, ela afirmou que não tinha conhecimento dos malfeitos porque a
corrupção é, por natureza, feita "às escuras", e que medidas tomadas
pelo seu governo e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são as
causas das investigações atuais.
- Você me pergunta uma coisa
interessante. Você me pergunta se eu não sabia. Tão perto e não sabia.
Foi preciso a delação premiada, foi preciso o reconhecimento da
independência dos procuradores, do Ministério Público, uma atitude em
relação à Polícia Federal. Foi preciso um conjunto de leis para que isso
fosse descoberto. Agora, o que é próprio da corrupção: ser feito às
escuras. Ser escondido. Ela tem que ser investigada - alegou.
A
presidente também disse que "ainda tem muita coisa que não se sabe" na
política brasileira, referindo-se ainda às práticas de corrupção. Ao
mencionar diretamente a Operação Lava-Jato, ela disse não acreditar que
as ilegalidades investigadas sejam isoladas, "um raio em céu aberto":
-
Não acredito que a Lava-Jato é um raio em céu aberto. Hoje eu não
acredito. Antes estava tudo debaixo do tapete. Ainda tem muita coisa que
não se sabe. Não vamos acreditar que está tudo escancarado, não é?
SITUAÇÃO ECONÔMICA
Na
entrevista, Dilma também declarou que não teve responsabilidade pela
crise econômica brasileira, e negou que o país tenha 10 milhões de
desempregados. Ela alegou não ser a única responsável pela situação
econômica nacional, citando elementos internacionais que contribuíram
para a depreciação, e refutou que 10 milhões de brasileiros estejam
desempregados.
- Se por conta da crise econômica que afetou o
Brasil, que atribuem à minha única responsabilidade, como se eu fosse
responsável pelo fim do superciclo de commodities, como se eu fosse
responsável pela brutal crise que afetou desde 2009 os países
desenvolvidos, como se no resto do mundo essas dificuldades não tivessem
sido enfrentadas - argumentou.
De acordo com o dado mais recente
da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad), em janeiro a
população desocupada foi estimada em 9,6 milhões de pessoas, o que
representa um crescimento de 42,3% ou mais 2,9 milhões de pessoas a
procura de trabalho em relação a um ano atrás. Este número de dispensas é
o maior já registrado em um ano na pesquisa do IBGE. Nesta
quarta-feira, o instituto divulgará os dados referentes a fevereiro.
A
presidente afirmou que os avanços sociais do governo dela e de Lula
foram "a maior revolução pacífica do mundo ocidental", e fez um apelo
para que não haja "retrocesso":
- A maior revolução pacífica do
mundo ocidental ao garantir que quase 36 milhões de pessoas saíssem da
miséria e outros tantos conquistassem o estatuto de classe média. Nós
não podemos deixar isso retroceder.
Dilma disse também que sofre
um processo de "meia verdade", e que, no presidencialismo, é preciso "a
verdade inteira" para destituir um presidente:
- Eu estou sendo
também objeto, e aí começa a grande injustiça. Ela vai se acumulando em
borbotões. Eu estou sendo também vítima de todo um processo de meias
verdades. O que eu chamo de processo de meias verdades? A meia verdade é
aquela parte da verdade que é mentira. A meia verdade é isso. Ela
consiste em tentar induzir, sem dizer as reais implicações daquele ato.
No parlamentarismo, é possível: há um voto de desconfiança no gabinete e
ele sai. No parlamentarismo. Agora, no presidencialismo, a verdade
inteira é que é necessária.
Ao ser questionada sobre a
organização das Olimpíadas, que começam em agosto no Rio, Dilma garantiu
que o país terá todas as condições de entregar o que foi prometido, e
disse que serão os melhores Jogos Olímpicos "do mundo", após dizer que
seriam os melhores "do Brasil":
- Será a melhor Olimpíada do Brasil. Do mundo, na verdade - corrigiu-se.
Ela
também condenou o voto do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) pelo
seu impeachment no último domingo no plenário da Câmara. Bolsonaro fez
menção ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador na ditadura
militar, que Dilma chamou de "o maior torturador que o país já viu".
Eu
de fato fui presa nos anos 1970, de fato eu conheci bem esse senhor ao
qual ele se refere. Era e é o maior torturador que esse país já viu. Eu
lastimo que esse momento no Brasil tenha dado abertura para a
intolerância, para o ódio, para esse tipo de fala. Acho gravíssimo a
aventura golpista - afirmou ela, que classificou o episódio como
"lastimável".
CENÁRIO DIFÍCIL NO SENADO
Apesar
do otimismo com a tramitação do pedido de impeachment no Senado, que a
presidente Dilma Rousseff procurou demonstrar segunda-feira, integrantes
do governo avaliam como muito difícil a tarefa de impedir a aceitação
do processo na comissão especial no Senado. Caso a comissão aceite a
ação, isso levará ao afastamento imediato de Dilma do Planalto por até
180 dias.
Se esse diagnóstico se confirmar, o Palácio do Planalto
concentrará os seus esforços no julgamento do processo de cassação, que
exige ainda mais votos dos senadores. Para o acolhimento, é necessária
maioria simples dos senadores presentes em plenário. Já para rejeitar o
processo de cassação, basta que Dilma tenha 28 votos dos 81 senadores.
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