Depois de ver fracassar a artimanha protagonizada pelo presidente em exercício da Câmara dos Deputados Waldir Maranhão (PP-MA), o governo tenta nesta terça-feira a última cartada para barrar o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Um dia antes de o plenário do Senado levar à votação o parecer favorável à continuidade do pedido de impedimento da petista e decretar seu afastamento por até 180 dias, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com um novo mandado de segurança pedindo a anulação do impeachment.
Desta vez, a principal base da argumentação do governo é a suposta ilegitimidade do então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de ter dado seguimento ao impeachment da petista. Na avaliação da AGU, como o Supremo atestou que Cunha utilizou o mandato parlamentar em benefício próprio, qualquer ato feito pelo parlamentar em relação ao impeachment estaria comprometido e deve ser anulado. "Se recorre a esse Supremo Tribunal Federal para que firme posicionamento quanto à nulidade absoluta, não passível de convalidação, do procedimento ocorrido no âmbito da Câmara dos Deputados, eivado de vícios decorrentes da prática de atos com desvio de finalidade pelo então Presidente Eduardo Cunha, que culminou na decisão do plenário da Câmara de autorização de instauração de processo de crime de responsabilidade contra a senhora Presidenta da República", diz a AGU.
No pedido enviado ao STF, o governo coloca em xeque o ato de recebimento da denúncia contra Dilma, todos os passos praticados em sequência ao recebimento da denúncia e a decisão do plenário da Câmara de aprovar a admissibilidade do impeachment em 17 de abril. "Urge que esse Supremo Tribunal Federal reconheça a prática contumaz de atos com desvio de finalidade, pelo então presidente da Câmara dos Deputados, também em outras esferas, como é o caso do processo de admissibilidade da denúncia por crime de responsabilidade contra a Presidenta da República. Caso tais atos não sejam prontamente anulados como é devido, poderão acarretar consequências seríssimas que conduzirão ao impeachment de uma presidenta da República democraticamente eleita", diz o governo.
A AGU argumenta que foram nove meses de atos supostamente contaminados por Eduardo Cunha e exagera ao afirmar que os desdobramentos do processo contra a presidente Dilma foram motivados por "interesse pessoal" do então presidente da Câmara, alvo da Operação Lava Jato e de processo por quebra de decoro no Conselho de Ética. O governo cita como exemplos ofícios enviados por Cunha aos autores dos pedidos de impeachment para que complementassem as denúncias com requisitos legais e a redação de um manual do impeachment para o processo tramitar na Câmara. "O deputado Eduardo Cunha, ao receber parcialmente a denúncia de crime de responsabilidade subscrita por cidadãos, não pretendeu dar início a um processo com a finalidade legal para a qual este foi criado pela nossa ordem jurídica. Não teve por intenção dar início a um processo de impeachment para atender ao interesse público. O propósito do seu ato foi outro. Agiu, sem qualquer pudor, para retaliar a sra. Presidenta da República seu governo e o seu partido (Partido dos Trabalhadores). Procedeu, ao praticar esse ato, a uma clara vingança", afirma a advocacia-geral.
"Onde há desvio de poder há ilegalidade, e onde há ilegalidade há nulidade. O presente processo de impeachment teve no seu ato inaugural uma manifesta ilegalidade. Todos os seus atos posteriores são, por conseguinte, completamente viciados. São nulos de pleno direito, não passíveis de convalidação", resume o governo, que contesta ainda o fato de determinados partidos políticos terem fechado questão nos votos que dariam no processo de impeachment na Câmara e de as legendas terem ameaçado expulsar seus filiados em caso de desobediência.

Câmara - Às vésperas da votação do impedimento de Dilma na Câmara, Cardozo também havia apelado ao Supremo com pedido para que fosse anulado o processo de impeachment. Na época, a tese do governo tinha por base argumentos procedimentais e a tese de que "diversos atos praticados pela Câmara dos Deputados revelaram frontais agressões às garantias devidas aos acusados em qualquer âmbito de apuração, (...) causando concretos e inaceitáveis prejuízos à participação e defesa da impetrante". Naquele recurso, segundo a AGU, havia "evidentes violações" praticadas pela comissão especial do impeachment, que aprovara o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) pela admissibilidade do processo de deposição de Dilma.
Entre as supostas violações, a advocacia-geral alegou na ocasião que os debates antes da apreciação do texto de Arantes trouxeram à tona "diversos argumentos de índole política" e extrapolaram a denúncia propriamente dita, com a citação, por exemplo, de depoimentos de delação premiada do ex-líder do governo Delcídio do Amaral (ex-PT-MS). "Foram indicadas, no parecer elaborado pelo relator da Comissão Especial, diversas imputações e considerações de cunho persuasivo, totalmente desconectadas do teor da denúncia, em flagrante e inconstitucional ampliação do espectro das imputações das quais foi a ora impetrante intimada para se defender, o que redunda na construção de um processo em que se inviabiliza a construção de uma defesa substancialmente adequada", diz a AGU.