© ASSOCIATED PRESS Quando era pequeno, ouvia com frequência de pessoas mais velhas frases como "política, futebol e religião não se discutem". Essas frases sempre foram meias-verdades.
michel temer © Fornecido por Abril Comunicações S.A. michel temer Futebol sempre foi discutido apaixonadamente (e eu nunca entendi nada) e religião - de uma forma ou de outra - sempre marcou presença na vida cotidiana das pessoas, seja por meio de cultos ou missas, seja por meio de simpatias e benzedeiras.
impeachment © Fornecido por Abril Comunicações S.A. impeachment A novidade é que nos últimos anos passamos a discutir política assiduamente. Grande parte das pessoas, se perguntarmos, tem opinião sobre a crise política, a corrupção, programas sociais e por aí vai.
eduardo cunha © Fornecido por Abril Comunicações S.A. eduardo cunha Esse novo cenário trouxe consigo desafios. Não estamos habituados a lidar com desacordos políticos. Isso é evidenciado pela forma como as pessoas se organizaram em grupos muito semelhantes a torcidas de futebol ou pelas formas por meio das quais opiniões políticas são afirmadas, semelhantes a palavras de ordem de torcidas esportivas. "Fora, Dilma!", "Fora, Cunha", "Moro guerreiro do povo brasileiro" são alguns exemplos dessa tendência.
renan calheiros © Fornecido por Abril Comunicações S.A. renan calheiros Acredito que os termos "esquerda" e "direita" tem pouco poder explicativo em nosso cenário político atual por pelo menos três motivos. Em primeiro lugar, ainda que muitos se digam de esquerda, o mesmo não é verdade para a direita, que tem dificuldades em assumir o nome. Em segundo lugar, dentro de cada uma dessas nomenclaturas convivem muitos grupos diferentes, que muitas vezes não se enxergam como aliados uns dos outros, à exemplo da desconfiança do PSTU em relação ao PT na esquerda. Finalmente, os termos "direita" e "esquerda" não conseguem traduzir bem algumas posições importantes, como a socialdemocracia.
impeachment © Fornecido por Abril Comunicações S.A. impeachment Apesar disso, vou elencar algumas coisas que pessoas presumivelmente encontradas nos dois lados fazem, mas que são prejudiciais para um debate político saudável. O que apresento nesse texto é uma lista do que não fazer, com cinco itens:

1. Criticar ou defender ideias sem ter feito a lição de casa

Esse é um erro clássico. Direitistas dizem ter horror ao marxismo sem nunca terem lido duas linhas de Karl Marx, e esquerdistas dizem ter horror ao liberalismo sem nunca terem aberto um livro de John Locke ou Adam Smith. Ninguém é obrigado a ler tudo sobre todos, mas criticar ou defender algo que não se conhece minimamente é prejudicial ao debate de qualidade.
Ao fazer isso, criamos espantalhos daqueles com quem em tese não concordamos e não conseguimos dialogar de verdade. Antes de nos dizermos defensores do liberalismo, do marxismo ou de qualquer outra corrente, devemos tentar aprender o que efetivamente são essas e outras tradições do pensamento. Fazer política demanda empatia, especialmente com aqueles com quem discordamos.

2. Difundir informações sem confirmar a veracidade

Vivemos em um mundo no qual informação viaja muito rápido. Para cada notícia, verídica ou não, surgem milhares de memes, reproduções, montagens, postagens em redes sociais e em blogs. Divulgar informação sem antes saber se é verdadeira ou não pode ter consequências catastróficas.
Dois exemplos de besteiras amplamente difundidas: circula no facebook uma montagem na qual o juiz Sergio Moro alega ter informações para prender Lula, mas que precisava de grande apoio popular, como um milhão de compartilhamentos da montagem. Também circulou na internet um excerto descontextualizado de uma entrevista do deputado Jean Wyllys, que dava a entender, erroneamente, que ele era absolutamente contra o cristianismo. Esse tipo de informação distorcida prejudica muito o debate. Se o nosso objetivo é fazer uma boa política, precisamos ter em mente a divulgação da verdade.

3. Desdenhar argumentos por causa de seus autores

Esse é outro erro clássico, consistente em não levar à sério argumentos porque foram enunciados por pessoas que não gostamos ou que não achamos legitimadas a falar. Por exemplo, não considerar seriamente os argumentos de Kim Kataguiri por ele ser um "moleque mimado". Podemos discordar de quem quisermos, mas precisamos fundamentar nossa opinião tendo consideração pelo que os outros dizem.
Pessoalmente, acho que Kataguiri está equivocado em praticamente todas as suas posições, mas é necessário levar seus argumentos em consideração, desconstruí-los. Descartar um argumento porque achamos seu autor menos qualificado é, no fundo, querer silenciar a priori as vozes discordantes.

4. Ofender quem tem opiniões diferentes

É muito comum as pessoas ofenderem quem tem opiniões diferentes. Também é comum e compreensível que as pessoas se exaltem ao discutir política. O problema é que muitas vezes ofender aqueles com opiniões diferentes é uma forma de silenciamento: impede-se o outro de falar porque ele é tratado com uma espécie de inimigo a ser vencido. Quando isso é feito, qualquer tentativa de debate político construtivo é impedida logo de início.
A ofensa ou o xingamento funcionam como rótulos agregativos, nós arrolamos sob um rótulo uma série de posições que não gostamos e usamos esse rótulo para oprimir essas posições. Algumas vezes a ofensa não precisa ser explícita para surtir tais efeitos deletérios. Quando um grupo se refere a outro como alienado é usualmente esse movimento: por meio de uma ofensa o discurso de quem pensa diferente é deslegitimado.

5. Utilizar argumentos falaciosos

Provavelmente a coisa mais difícil de evitar nessa lista. Ao discutir política devemos tomar cuidado para não ocultarmos erros e inconsistências por trás de um discurso apaixonado. Aponto dois exemplos (mas existem vários outros):
(1)Alguém que seja contrário a mudanças no status quo da sociedade poderia apelar para um argumento da "ladeira escorregadia". Esse tipo de argumento falacioso sustenta que uma vez que liberalizamos algo, muitas outras coisas também serão liberalizadas nessa toada, daí a metáfora da ladeira escorregadia. Trata-se de uma falácia comum, que aparece, por exemplo, quando conservadores dizem que a liberalização do casamento homoafetivo é o primeiro passo para a liberalização da pedofilia ou da zoofilia.
O erro aqui é que não existe causalidade entre essas coisas, elas não têm ligação. Argumentos de ladeira escorregadia tentam estabelecer uma relação ilógica entre dois fatos autônomos, de modo a querer barrar uma alteração no status quo por causa do medo de uma segunda alteração.
(2)Alguém que deteste o que eu escrevo pode pegar o meu item 1 nessa lista, sobre defender ideias sem ter feito a lição de casa, e fazer uma redução ao absurdo, ou seja, para tentar deslegitimar meu discurso o leva às últimas consequências e em uma situação para a qual ele não foi pensado. Nessa situação, meu "hater" poderia me chamar de elitista ou aristocrático por achar que só quem estuda é que pode opinar.
Não foi isso o que eu disse, mas uma redução ao absurdo busca invalidar o argumento ao torná-lo impossível de sustentar em uma situação extrema e irreal. As pessoas fazem isso constantemente, muitas vezes sem perceber, mas ao fazê-lo distorcem o que os demais dizem e a qualidade do debate político fica muito prejudicada. Como disse antes, política demanda empatia, e por sua vez empatia demanda que tentemos ter a melhor interpretação possível e de boa fé sobre o que dizem aqueles que discordam de nós.