segunda-feira, 14 de março de 2016

É um tríplex Minha casa, Minha vida’, diz Lula sobre imóvel no Guarujá


Por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Julia Affonso, Mateus Coutinho e Fausto Macedo
14/03/2016, 15h36
Em depoimento marcado por forte tensão, ex-presidente compara apartamento de 215 metros no Guarujá, que afirma não lhe pertencer, a unidades populares do programa do governo federal
Fachada do Condomínio Solaris, no Guarujá. Foto: MOTTA JR./FUTURA PRESS
Fachada do Condomínio Solaris, no Guarujá. Foto: MOTTA JR./FUTURA PRESS
O ex-presidente Lula disse à Polícia Federal que o tríplex 164/A do Condomínio Solaris – antigo Condomínio Mar Cantábrico -, no Guarujá, com 215 metros quadrados de área ‘era pequeno’. O relato de Lula ocorreu no dia 4 de março, no Aeroporto de Congonhas, em meio a um clima de forte tensão.
Em um trecho do depoimento, o petista comparou o imóvel na praia das Astúrias às unidades habitacionais do programa do governo federal tocado pela Caixa.
A PF e o Ministério Público Federal suspeitam que Lula é o verdadeiro proprietário do apartamento no Guarujá – empreendimento iniciado pela Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) e que acabou incorporado pela OAS, de Léo Pinheiro, amigo de Lula. O ex-presidente afirma que não é dono do tríplex.
Ele relatou à PF que ao visitar pela primeira vez o imóvel disse a seu amigo Léo Pinheiro, o empreiteiro da OAS condenado na Operação Lava Jato, que ‘o prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um tríplex de 215 metros é um tríplex ‘Minha Casa, Minha Vida, era pequeno’.
O delegado da PF que ouviu Lula, conduzido coercitivamente para depor na Operação Aletheia, perguntou se ‘isso é bom ou é ruim’.
Lula disse. “Era muito pequeno, os quartos, era a escada muito, muito… Eu falei ‘Léo, é inadequado, para um velho como eu, é inadequado’. O Léo falou ‘Eu vou tentar pensar um projeto pra cá’. Quando a Marisa voltou lá não tinha sido feito nada ainda. Aí eu falei pra Marisa: ‘Olhe, vou tomar a decisão de não fazer, eu não quero.’ Uma das razões é porque eu cheguei à conclusão que seria inútil pra mim um apartamento na praia, eu só poderia frequentar a praia dia de Finados, se tivesse chovendo. Então eu tomei a decisão de não ficar com o apartamento.”

O ex-presidente reafirmou à PF sua versão de que não é o verdadeiro proprietário do tríplex do Solaris.
A PF e o Ministério Público trabalham com outra linha de investigação, que aponta o petista como o dono do imóvel. Os investigadores suspeitam que a OAS também bancou a instalação da cozinha de alto padrão do imóvel e a colocação de elevador privativo – equipamento que custou R$ 62,5 mil.
A investigação mostra que Lula e Marisa foram ao apartamento depois de concluída a obra no tríplex. Léo Pinheiro teria ido junto com o casal ao apartamento que, formalmente, está registrado em nome da OAS – empreiteira que assumiu pelo menos quinze empreendimentos da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop).
O delegado da PF perguntou a Lula. “Essa unidade era 164/A, que o senhor visitou?”
“Era, era”, respondeu Lula.
“O sr. visitou o imóvel?”, perguntou o delegado.
“Visitei, eu estive lá”, disse Lula.
“Foi em todos os cômodos?”
“Fui.”
“Tinha elevador no imóvel?”
“Não.”
“Tinha móveis nos quartos?”
“Nada.”
“Tinha cozinha montada?”
“Não, nada, nada.”
Lula disse que foi ‘uma outra vez’ no apartamento.
“Com quem?”, perguntou o delegado.
“Com o meu filho Fábio (Fábio Luiz, o Lulinha, filho mais velho do casal).”
“Mais quem?, insistiu o delegado.
“Só, e o Léo deve ter ido junto”, disse o ex-presidente.
“O Léo. Mais alguém além do Léo Pinheiro?
“Ah, não sei.”
O delegado quis saber ‘qual era a intenção dessa segunda visita’.
Lula. “Quando eu fui a primeira vez, eu disse ao Léo que o prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um triplex de 215 metros é um triplex ‘Minha Casa, Minha Vida’, era pequeno.”
Nessa altura, o ex-presidente interrompeu o depoimento para fazer um desabafo.
“Eu acho que eu estou participando do caso mais complicado da história jurídica do Brasil, porque tenho um apartamento que não é meu, eu não paguei, estou querendo receber o dinheiro que eu paguei, um procurador disse que é meu, a revista Veja diz que é meu, a Folha diz que é meu, a Polícia Federal inventa a história do tríplex que foi uma sacanagem homérica, inventa história de tríplex, inventa a história de uma offshore do Panamá que veio pra cá, que tinha vendido o prédio, toda uma história pra tentar me ligar à Lava Jato, porque foi essa a história do tríplex. Ou seja, aí passado alguns dias descobrem que a empresa offshore, não era dona do triplex, que dizem que é meu, mas era dono do triplex da Globo, era dono do helicóptero da Globo. Aí desaparece o noticiário da empresa de offshore. A empresária panamenha é solta rapidamente, nem chegou a esquentar o banco da cadeia já foi solta porque não era dona do Solaris que dizem que é do Lula, ela é dona do Solaris que dizem que é do Roberto Marinho, lá em Parati. E desapareceu do noticiário. E eu fico aqui que nem um babaca respondendo coisas de um procurador, sabe, que não deve estar de boa fé, quando pega a revista Veja a pedido de um deputado do PSDB do Acre e faz uma denúncia. Então eu não posso me conformar. Como cidadão brasileiro, eu não posso me conformar com esse gesto de leviandade.”
O delegadoda PF retomou o depoimento referindo-se ao tríplex do Solaris. “Passado o desabafo, vamos voltar a nossa… Qual tempo transcorreu entre a sua visita, a primeira visita, e a segunda visita?”
Lula: “Não sei, não sei.”
“Foi mais de mês?”
“Não sei, não sei.”
O delegado incluiu a ex-primeira dama no depoimento. “A dona Marisa, quando foi eventualmente pra ver se tinha interesse, como o senhor explicou, já tinha instalado a tal cozinha, elevador?”
Lula: “Não tinha nada. Segundo ela, não tinha nada.”
O delegado: “Na segunda, nada, nenhum móvel na…”
Lula: “Nada, nada.”
Delegado: “Então essa história de cozinha, de elevador, ela não chegou nem a presenciar?”
O ex-presidente irritou-se. “Não. E se ela presenciasse, se tivesse alguma coisa pronta, se eu tivesse que comprar, eu teria que pagar a diferença, eu quero saber aonde está o maldito crime.”

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