segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Polícia investiga máfia do Bolsa Família



A Polícia Federal deflagrou uma operação para reprimir a máfia que retém cartões do Bolsa Família nas cidades do Alto Solimões, no Amazonas.
Um grupo de 20 agentes recolheu, ao longo da semana passada, cartões de beneficiários indígenas do programa social que estavam em poder de nove comerciantes de Atalaia do Norte, município a 1.350 quilômetros por via fluvial de Manaus. O número de documentos apreendidos ainda está sendo contabilizado. A polícia recolheu também anotações de vendas, registros de senhas, cadernos de apontamentos de dívidas, comprovantes de saque e extratos bancários.
O mandado de busca e apreensão dos cartões foi expedido pela Justiça Federal em Tabatinga. Nos próximos dias, o delegado federal Vinícius Ferreira, coordenador da operação, ouvirá os comerciantes envolvidos no esquema. Eles poderão ser indiciados e responder a processos por crimes de apropriação indébita, estelionato em detrimento de instituições financeiras e furto. As investigações continuam em outros municípios com predomínio da população indígena. “A Polícia Federal vai coibir essa prática que desvirtua a proposta do programa social do governo”, afirmou Vinícius Ferreira. O delegado pretende ouvir ainda os indígenas que foram vítimas do grupo.
ctv-8wd-favela-amazonia dida-sampaio: Maria Kanamari conseguiu resgatar seu cartão© Fornecido por Estadão Maria Kanamari conseguiu resgatar seu cartão
A operação foi posta nas ruas após semanas de investigação em Atalaia do Norte. A polícia já tem indícios de que o crime de reter os cartões ocorre também nas demais cidades amazonenses da região da tríplice fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru. As famílias entregam inclusive as senhas para os comerciantes. Eles mesmos vão à casa lotérica retirar o dinheiro do benefício e fazem o acompanhamento da movimentação das contas.

‘Sistema do barracão’

As dívidas das famílias beneficiadas pelo programa, porém, só aumentam. Varney da Silva Tavares Kanamari, presidente da Associação dos Kanamaris do Vale do Javari, afirma que os comerciantes inflam os preços dos produtos alimentícios para garantir o controle dos “parentes” que moram nas aldeias. Os comerciantes, por sua vez, argumentam que retêm os cartões como garantia de pagamento de dívidas. É o velho “sistema do barracão” do começo do século XX: o dono de seringal fornecia alimentos e outros produtos para seus empregados que, diante do aumento da dívida, não podiam deixar o trabalho sob pena de tortura e morte.
A história da máfia dos cartões do Bolsa Família em Atalaia do Norte foi contada no caderno especial e em multimídia para a internet Favela Amazônia, um novo retrato da floresta, publicado em 5 de julho pelo Estado. Por meio de textos, vídeos, fotografias e áudios, o jornal mostrou comerciantes que retinham cartões do Bolsa Família e da Previdência. O município tem o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano do País e apresenta elevados índices de desnutrição e morte de crianças. Famílias vítimas do esquema relataram que não acompanham a movimentação da conta do benefício. A máfia tinha apoio de casas lotéricas.
Antes da publicação da reportagem, o jornal apresentou três vídeos de comerciantes que retinham cartões para a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Tereza Campello. Responsável pelo programa Bolsa Família, ela demonstrou indignação com o “crime” praticado pelo comércio do município e encaminhou a denúncia e apurações feitas depois por sua equipe para a Polícia Federal, em Brasília. 

Migração

No País, 133.161 famílias indígenas recebem o Bolsa Família. O programa levanta polêmicas no Alto Solimões. Beto Marubo, do movimento indígena da região, avalia que o benefício incentiva a migração de famílias do Território Indígena do Vale do Javari, área do tamanho do Estado de Santa Catarina, para a região urbana em Atalaia do Norte. “Os programas sociais do governo não entram nas aldeias”, ressalta. Ele observa que para sacar o dinheiro do Bolsa Família, os índios precisam fazer viagens de canoa de até duas semanas até o centro da cidade. Depois, não têm dinheiro para pagar o combustível da volta. 
Alguns índios conseguiram recuperar o cartão, como o casal Maria Rodrigues e Raimundo Kanamari, de Atalaia do Norte.
A partir da reportagem, o ministério aumentou o prazo de saque dos cartões de três para seis meses, permitindo que as famílias façam menos viagens ao ano. Técnicos do ministério avaliam outras propostas para evitar fraudes.

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