Cubanos chegam nesta terça ao Brasil para substituir colegas que partiram. © Erasmo Salomão Cubanos chegam nesta terça ao Brasil para substituir colegas que partiram.

O impasse entre os Governos brasileiro e cubano sobre a reposição de profissionais da ilha que fazem parte do Mais Médicos e retornam para Cuba em novembro deste ano preocupa os municípios brasileiros, que já vivem a dificuldade de repor 1.200 vagas de cubanos que deixaram o programa nos últimos meses. Há cidades que já estão há três meses sem nenhum médico, o que faz com que doentes tenham que recorrer a localidades vizinhas para poder obter atendimento de saúde. A força de trabalho de Cuba representa quase 63% do contingente do programa, que leva médicos a áreas pobres do país onde, geralmente, profissionais brasileiros não querem ir.

O contingente de 1.200 médicos representa pouco mais de 10% das 11.400 vagas de cubanos do Mais Médicos, que no total conta com 18.200 profissionais. O maior grupo deles deixou o país a partir de maio, por não ter sido aprovado no curso de especialização em saúde da família feito em parceria com universidades locais, afirma o Ministério da Saúde. O curso é uma exigência do programa, que é pensado como uma formação dividida entre parte teórica e prática, que é o atendimento da população. Em troca da formação, os participantes recebem uma bolsa de 10.000 reais -os cubanos ficam com 2.700 reais e o restante é repassado ao Governo de Cuba, dentro de um convênio com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

"Estamos trabalhando com o Governo e já está acordado que Cuba reporá esses profissionais", explica Mauro Junqueira, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Dentro dessa negociação, parte das vagas ociosas foi preenchida por 50 médicos enviados por Cuba na semana passada. Nesta terça, chegaram mais 250 profissionais e, nas próximas semanas, outros 250 devem desembarcar. Eles esperam em Brasília para a regularização de documentos antes de seguir para os municípios. Ainda faltam, entretanto, outros 650 médicos para que se chegue ao patamar de meses atrás. Segundo o ministério, eles chegarão no país até agosto deste ano.

Nova preocupação

Quando o problema parecia começar a se resolver, uma nova preocupação surgiu para os municípios. O Governo cubano afirmou, em reunião na última sexta-feira, que não irá renovar a permanência dos médicos que completarem três anos no programa, o que começa a acontecer em agosto deste ano. A presidenta afastada Dilma Rousseff havia editado uma Medida Provisória que estendia por mais três anos a autorização para que estrangeiros pudessem atuar no programa sem a necessidade do Revalida, uma prova de validação do diploma obtido no exterior.

Para a frustração dos profissionais, entretanto, o Governo de Raul Castro decidiu que os médicos não permanecerão por mais de três anos e pede um reajuste no valor da bolsa para que novos profissionais sejam enviados para substituí-los. Um grupo de trabalho entre os Governos brasileiro e cubano e a Opas foi formado para discutir a questão. E, em um acordo, decidiu-se que os 2.400 profissionais que completariam os três anos no final de julho (400) e no final de setembro (2.000) permanecerão até novembro, depois das Olimpíadas e das eleições municipais. No entanto, o tempo para a resolução do impasse é curto: todos os 11.400 cubanos vão completar três anos de trabalho até a metade de 2017 e precisarão de substitutos, sob o risco de o sistema de saúde brasileiro enfrentar mais um caos.
 
"A burocracia entre os governos é preocupante", afirma Charles Tocantins, secretário municipal de Saúde de Tucuruí (Pará) e presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado. "Os profissionais brasileiros têm grande resistência para vir a lugares mais pobres e mais distantes do país, como a Amazônia. Os cubanos vêm e a ausência deles faz com que não alcancemos as metas de saúde", explica ele. O município recebeu 22 profissionais pelo Mais Médicos, sendo quatro brasileiros e 18 cubanos e nos últimos três anos viveu um aumento das consultas pré-natal, uma diminuição na mortalidade infantil, além de outros indicadores positivos de saúde.

Seis dos cubanos deixaram a cidade há três meses, por terem sido reprovados na parte teórica do curso. Desde então, algumas unidades de saúde estão sem médico. "Estamos entrando no quarto mês sem a cobertura desses médicos. Há municípios vizinhos que perderam todos os médicos e os doentes são encaminhados para outras cidades, sem a estabilização necessária", conta. "Esses profissionais deveriam ter sido repostos em até 30 dias, e estamos chegando em um período muito preocupante, que é quando mais chove na Amazônia e há uma maior incidência de doenças endêmicas. A gente está preocupado e precisamos que o Governo federal seja mais contundente em relação à continuidade do programa."

O ministério afirma que o programa será mantido. A Opas diz que os médicos cubanos que deixarem o país serão substituídos.